Sujeito ecológico: um ser ainda em formação (II)

Se parte do livro Inteligência Ecológica foi dedica às explicações do funcionamento de nosso cérebro em relação ao meio ambiente, outra foi dedicada à Educação Ambiental, genericamente falando. Nesse sentido, Daniel entende que a inteligência ecológica começa com o conhecimento dos impactos, passa para defesa de melhorias e depois chega ao compartilhamento do aprendizado. Segundo ele, só muita informação compartilhada com todos poderá salvar o planeta e nos fazer consumir de modo mais sustentável.

No livro, Daniel Goleman considera que o consumidor pode e deve fazer a diferença como vetor de pressão para que produtores, distribuidores e comerciantes modifiquem suas práticas em direção à sustentabilidade. Segundo ele, a transparência radical (informação sobre cada etapa da cadeia produtiva) é a arma do consumidor. Levando em consideração que Daniel vive no Hemisfério Norte, cujo volume de consumo e de acumulação é 7 vezes maior que os demais habitantes do Planeta Terra faz sentido ele se posicionar como um sujeito incomodado com o consumo excessivo, desnecessário e doentio e emprestar sua voz e seu prestígio para a mobilização em defesa da sustentabilidade e em defesa de uma nova cultura de consumo.

Para redigir o livro, Daniel conversou com pessoas que estão tratando de fazer a diferença nas áreas industriais e da Ciência. E também procurou conhecer novas abordagens, sendo uma delas a Análise do Ciclo de Vida (ACV) dos produtos. A caminhada dele o leva a concluir que “verde é um processo, não uma condição – temos de pensar em “verde” como verbo, não como adjetivo. Essa alteração semântica poderia auxiliar a nos concentrarmos mais no sentido de tornar os produtos verdes” (p. 25).  Além disso, há uma crítica muito séria ao greenwashing (expressão que se refere às publicidades que tentam mascarar um desempenho ambiental fraco por parte do anunciante). No Brasil, medidas do Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) estão em vigor desde agosto de 2011.

A partir da abordagem ACV, Daniel também percebe a necessidade de uma Matemática que possa fornecer métricas que contemplem sistemas complexos, pois os cálculos unidemensionais que focam um único problema deixando muitos aspectos de fora se revelam pouco acurados, ainda mais se se quer falar em verde, sinônimo de produto de nenhum ou quase nenhum impacto negativo ao meio ambiente ou como produto mais sustentável. Pois, como ele mesmo diz, qualquer intervenção em um sistema complexo tem efeitos colaterais não-intencionais. Um dos exemplos dado por ele, dentre outros, está na página 50 do livro: “as objeções ao rastro de carbono da água mineral engarrafada levaram muitos restaurantes a deixar de oferecê-la e algumas pessoas passaram a reutilizar as garrafas de plástico depois que a água acabava. Mas a resposta ecologicamente correta aos impactos ambientais das garrafas deixara de lado outro aspecto negativo: o uso de garrafas plásticas impunha impactos potencialmente adversos para a saúde, em função das substâncias químicas que vazam para a água engarrafada. O bisfenoal-A(BPA), substância à qual se atribuem problemas no sistema endócrino, presente em muitos plásticos, é transmitido aos líquidos 55 vezes mais rápido do que o normal se o líquido estiver aquecido […]”.

A abordagem ACV, junto com a necessidade de cálculos matemáticos não-unidemensionais, também fez Daniel olhar para a questão semântica do adjetivo local, sem deixar de reconhecer os benefícios econômicos e ambientais ao permitir que emprego e salários estejam concentrados na localidade e que o rastro de carbono seja menor. Daniel trouxe o depoimento de uma ecologista industrial que monitorou a geografia dos ciclos de vida dos tomates cultivados em estufas perto de Montreal: as atividades de P&D foram realizadas na França, as sementes cultivadas na China, levadas de volta para a França e enviadas para Ontário, onde as sementeiras germinavam, e depois levadas de caminhão para Quebec, onde a planta final é cultivada e o fruto colhido. Ou seja, esse tomate local tinha um passado global (p. 48).

Enfatizando a transparência radical a partir de dados cientificamente acurados (sound science), surge o GoodGuide uma plataforma disponível ao público, ainda em teste, que permitirá com um código simples verde – vermelho e amarelo indicar ao consumidor qual a ACV e em que parte da cadeia produtiva o produto é mais danoso ou benéfico ao meio ambiente. A plataforma expulsa o dado de consulta a partir da reunião de bancos de dados avulsos que as empresas construíram para informar aos acionistas ou stakeholders sobre a empresa e o valor de seus papéis.

Post no Blog Mais com Menos sobre o livro Inteligência Ecológica cita outros locais onde encontrar informações sobre o impacto dos produtos e das empresas. Ou seja, quais instrumentos estão disponíveis para fabricar, distribuir, comercializar e comprar de modo mais sustentável. Reproduzo aqui parte do post do Mais com Menos:

Além do norte-americano GoodGuide, também é possível encontrar  boas referências nos guias: Catálogo Sustentável, Guia de Empresas e Produtos e  Guia de Eletrônicos Verdes.

Catálogo Sustentável foi criado e é atualizado pelo Centro de Estudos em Sustentabilidade da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (GVces), relaciona produtos e serviços destacando suas características em relação a matéria-prima, certificações, reciclagem, critérios sustentáveis e outros.

Guia de Empresas e Produtos é administrado pelo Instituto Akatu, classifica as empresas de acordo com suas práticas de responsabilidade social.

Guia de Eletrônicos Verdes é atualizado pelo Greenpeace, relaciona as várias
fabricantes de eletrônicos de acordo com o impacto de seus produtos.

Serviço:

Consumo norte-americano

Infográficos sobre consumo norte-americano

Referência:

GOLEMAN, Daniel. Inteligência Ecológica: o impacto do que consumimos e as mudanças que podem melhorar o planeta. Tradução de Ana Beatriz Rodrigues. RJ: Elsevier, 2009.

Sujeito ecológico: um ser ainda em formação (III)

O livro Inteligência Ecológica explica que os impactos na natureza podem estar na dimensão geosfera, biosfera e sociosfera. Essas dimensões estão incorporadas à Análise do Ciclo de Vida (ACV) dos produtos na hora de medir impactos positivos e negativos. No entanto, para além da métrica do impacto está a inovação nos processos e nas técnicas o que poderá ser o maior desafio do século XXI. Acompanha a inovação, a necessidade de definições transparentes e critérios sistematizados para que as auditorias, principalmente as auditorias sociais, possam comparar empresas, produtos e práticas.

No livro, Daniel Goleman não deixou de mencionar as limitações da ACV como, por exemplo, apontar as médias da indústria para os componentes, mas não para produtos acabados para o consumidor, e o fato de que os bancos de dados de ACV acabam sendo privados, e as empresas precisam pagar taxas para conhecer os impactos da cadeia de suprimentos. Também não deixou de abordar que o mundo empresarial está buscando integrar a sustentabilidade à estratégia dos negócios e resultados finais triplos, ou seja, resultados nas finanças, no ambiente e no social.

Geosfera trata de fontes naturais cuja formação levou eras para ser como é (água, solo e ar). É possível medir a carga de recursos de um produto (quantidade de matéria-prima consumida, tipo de contaminação gerada ou valor destruído). A dívida de um produto para com a natureza pode ser calculada como a soma dos recursos não renováveis esgotados, mais sua carga total ou impacto sobre a natureza. São métricas: rastro de carbono, carbono embutido (CO2 por quilo liberado na fabricação, transporte, uso e eliminação de um produto), eutroficação (impacto na água), biodegrabilidade (capacidade de decomposição ou não de microorganismos em formas úteis à natureza), consumo de água, utilização da terra, acidificação do solo dentre outras.

Biosfera trata da interligação dos ecossistemas. Há interações altamente complexas entre os genes e as substâncias químicas a que o Homem está exposto. São métricas: impacto do câncer, anos de vida ajustados por incapacidade, perda de biodiversidade, toxicidade personificada.

Sociosfera trata da presença humana e suas condições de trabalho na produção dos produtos. São os impactos humanos positivos ou negativos. As métricas envolvem tópicos de responsabilidade social e de balanço social das empresas.  São algumas delas: envolvimento com a comunidade, salários dignos, condições de trabalho, trabalho infantil, valorização das mulheres, certificação de comércio justo, assistência médica, respeito aos direitos humanos, dentre outras. Como a inclusão do impacto social na Análise do Ciclo de Vida é concebida por uma métrica qualitativa, em essência, vários fatores devem ser levados em consideração. Daniel traz o exemplo do ecoturismo dado por Gregory Norris. Se eco é só conservação da água e da energia e do uso de materiais verdes nas construções, outras questões ficaram de fora como será que as populações locais perderam o acesso à terra e à água para grandes corporações de desenvolvimento? Será que o lucro ajuda a melhorar as condições do local? Os empregos gerados pagam o suficiente para melhorar o padrão de vida da população? Houve aumento da criminalidade e dos problemas de saúde entre a população do local?

Serviço:

Análise do Ciclo de Vida (ACV)

http://www.sylvatica.com/about/team.php?lang=en

Referência:

GOLEMAN, Daniel. Inteligência Ecológica: o impacto do que consumimos e as mudanças que podem melhorar o planeta. Tradução de Ana Beatriz Rodrigues. RJ: Elsevier, 2009.