Acabei de escrever um ensaio sobre migração e alterações climáticas que me permitiu buscar e ir além do discurso mais comum (alarmista) de que haverá migração em massa por conta das alterações climáticas já que a previsão é de aumento do nível do mar e de uma maior frequência e maior intensidade de eventos climáticos como chuvas e tempestades, ciclones, maremotos, secas.
Depois de tanto ler e confrontar as leituras, cheguei a um quadro de análise em que identifico três clusters de posicionamento na agenda pública internacional. E o enquadramento (tratamento) do assunto Migração do ponto de vista operacional.
Os clusters (agenda pública internacional)
O primeiro deles é o cluster da Segurança. Nesse estão incluídos os instrumentos programáticos sobre segurança e preparação de desastres que tem como ponto central o Estado, uma vez que é ele o responsável pela ordem e bem estar de seus cidadãos. Ou seja, a governança é um instrumento de resolução de problemas a ser aprendido e a ser exercitado, que engloba as instalações de proteção e defesa civil, os meios de comunicação e as instalações de segurança e saúde como bombeiros, socorristas e hospitais. Também fazem parte nesse cluster as organizações humanitárias como Red Cross e Doctors Without Borders, dentre outras. E a solidariedade virtual que nasce nas redes sociais e ganha tangibilidade nas doações concretas de roupas, alimentos e remédios, na participação em eventos públicos e no depósito de moedas (recursos financeiros) em contas correntes de entidades de assistência humanitária.
O segundo cluster é o do Direito. Nesse, os líderes são as bancas de advocacia e os integrantes do mercado de seguros que buscam uma legislação apropriada para a proteção do cidadão e dos negócios frente aos impactos das alterações climáticas de toda ordem. Aqui busca-se similaridade com o status de refugiado, em que um Estado acolhe cidadãos dando-lhes plenos direitos de cidadania. De outro lado, busca-se manter as restrições de imigração e conter os deslocamentos populacionais no âmbito doméstico, seja a partir da cooperação de países mais desenvolvidos seja com fundos de apoio a medidas de adaptação às alterações climáticas, as mais conhecidas como soft measures em detrimento das hard measures que são associadas a grandes construções. Estão inseridos no cluster do Direito universidades, associações e escritórios que trabalham com agências e políticas internacionais. Atualmente não há legislação internacional que proteja o cidadão que se desloca por questões relacionadas a impactos das alterações climáticas. O que há são as medidas humanitárias de longa tradição.
O terceiro cluster é o do Ativismo. Nesse, os ativistas dos mais diferentes naipes e posições no estrato social e no universo planetário defendem posições em favor de uma maior equidade entre os povos e os países. Os ativistas querem equilíbrio de forças, mecanismos para superar a desigualdade, lutam por um chamamento à responsabilidade aqueles mais abastados em favor dos mais necessitados. Os que aqui se reúnem querem saber quem é que paga a conta pelos deslocamentos populacionais resultantes dos impactos das Alterações Climáticas. Os mais ricos (países industrializados) querem apoiar com metodologias e construção de capacidades os países em desenvolvimento para terem a postos seus mecanismos de segurança e vão, com isso, esvaziando o discurso da transferência de recursos financeiros, da criação de fundos e da aceitação de migrantes em condições privilegiadas de cidadania. Aqui o debate esquenta, mas há um mix de vozes que se dispersam e se distanciam ainda que possam ter princípios, de partida, similares para o encaminhamento do problema.
O enquadramento (tratamento operacional)
Na copa do mundinho das Alterações Climáticas (adaptação e mitigação) estão o IPCC e a Convenção-Quadro (COPs). O IPCC está em seu 5o. relatório (o mais recente divulgado no dia no dia 30 de março de 2014) e desde o primeiro tratou de dizer que as alterações climáticas podem provocar deslocamentos populacionais. Usou o termo que, em cada época do lançamento do relatório, era o mais hegemônico dentre as disputas. Começou com refugiados ambientais, seguiu por refugiados ecológicos, voltou para refugiados ambientais, avançou para migração ambiental e nesse último (5o. AR) utiliza deslocamento populacional.
No âmbito do enquadramento explicativo, os relatórios compreendem a população migrante como os que fogem de desastres, secas, inundações, degradação do solo e variedades climáticas de longo prazo. No último relatório, o IPCC aponta a migração como uma medida efetiva de adaptação. Nesse caso, está alinhado com a única vez em que os relatórios das Conferências das Partes (COPs) falaram sobre o assunto. Na COP 16 (Cancun), o relatório convida os países a olhar para medidas de adaptação, dentre elas, o deslocamento, a migração e a recolocação planejada de populações.
O que temos hoje é o enquadramento da migração relacionada a impactos das alterações climáticas como medida de adaptação, que pode ser soft ou hard, que deve ter por base um planejamento, principalmente se a realocação estiver em exame. Se for pontual (eventos extremos) deve estar sob o chapéu da Segurança e das forças do Estado que cuidam da Proteção e da Defesa Civil, tendo como âncora uma governança instalada e em funcionamento. Se for de longo prazo deve estar sob o chapéu do Plano Executivo de Governo, seja de municipalidades ou de outros níveis horizontais (consórcios) e verticais (estaduais/regionais e federais).
A sistematização desse enquadramento operacional e dos clusters de agenda pública tomam por base a longa tradição dos estudos de Migração, dentro da Geografia Humana. A produção do ensaio ajudou a compreender que migração é multi-causal, o que coloca por terra a defesa de um único driver, no caso alteração climática (e os múltiplos impactos), como ponto de partida. E ainda que o ponto de partida da migração (deslocamentos populacionais de maneira abrangente) é sempre enredado, ou seja, ele é começo e fim ao mesmo tempo pois está sempre em ligação anterior ou posterior com a mesma migração (os que vão e os que ficam, os que vão e remetem aos que ficam e os vão porque outros já foram e os que ficam para irem depois). E, por ser enredado, também pode ser diferente em cada lugar apesar de ter na raiz o mesmo problema, pois são os homens e sua relação com o contexto que decidem pela migração.
Além de multi-causal, auto-perpetuada e não-linear, a migração é um engenho humano, força proativa para solução de problemas e busca de novas fronteiras e experiências, sempre envolta em tradições singulares dentro da cultura de um determinado povo. A história da Humanidade contém essas micro histórias de deslocamentos. E elas estão inseridas na história da adaptação do Homem à Terra.
No entanto, quando defrontada com os impactos de alterações climáticas, a migração pode ser a ponta do iceberg que tem por debaixo de si um potencial de conflitos, pois seja à luz de eventos extremos seja à luz de uma adaptação planeada, ela desperta emoções de medo, de insegurança, de perda, de solidariedade, de tragédia, de catástrofe, de esperança e de reconstrução. No âmbito do Ordenamento do Território, uma governança estratégica ajuda a resolver os conflitos e a concertar soluções.